sábado, 6 de agosto de 2016

Dedicado às pessoas que roem unhas (coisa que se chama Onicofagia)




Olá. Chamo-me Marlene. E sou roedora de unhas desde os 6 anos.

Olá, Marlene!

Este vício deu cabo da minha vida. Às vezes, isolava-me da sociedade para roer - só - mais um bocadinho, só mais aquela pelezinha que só quem rói sabe como tem de ser imediatamente arrancada ou o mundo acaba naquele mesmo instante. Não convivia com ninguém, porque tinha sempre os dedos na boca e não se fala de boca cheia, como é de boa educação. Acenava com a cabeça para dizer que sim e que não e a minha vida social resumia-se a isso. Às vezes tirava os dedos da boca para beber uma cerveja. Poucas vezes. Quando me encontrava com outros roedores, entendíamo-nos no silêncio. Eu roía, eles roíam. Só se ouvia o esporádico “cric” da unha a saltar. Por vezes partilhávamos lenços para estancar alguma hemorragia acidental. Sorríamos e prosseguíamos com a tarefa pesarosa de Sísifo. E no sossego do nosso colóquio éramos felizes, mas escravos daquele vício mundano.

Em casa, roía às escondidas. Percebi que estava doente. Os meus pais já não me reconheciam, o meu homem tinha as mãos mais arranjadas que as minhas, toda a gente sabia que algo de muito mau se passava, mas ninguém me conseguia ajudar. Enclausurava-me no quarto e roía como se não houvesse amanhã ao som de Radiohead e depois trabalhava de luvas porque as pontas dos dedos doíam enquanto teclava. O sofrimento era desumano! E era nessa altura que surgia a vergonha, principalmente quando tinha visitas e me viam de luvas de lã em agosto. Mas mal aparecia outra pontinha de unha para roer a vontade falava mais alto. Uma vez decidi pôr unhas de gel. Mas unhas compridas não dão jeito nenhum. Quem já trabalhou no comércio sabe como é difícil apanhar trocos com garras de metro. Espalhar Halibut no rabinho do bebé também não é tarefa fácil para não falar de outras coisas que não se podem dizer por aqui. Além disso, andava toda arranhada e amigos e conhecidos temiam pela vida de cada vez que eu gesticulava não lhes fosse apanhar a jugular durante um "esbracejamento" qualquer. 

Dez unhas controlavam-me. Felizmente nunca tive a agilidade necessária para chegar às dos pés. Cheguei a uma altura da minha vida que disse: “Chega!”. Gastei o dinheiro todo em vernizes “inibidores do hábito de roer unhas” – como os ditos erradamente se chamam   de várias marcas acessíveis de supermercado. Sabiam mal no início, confesso. Contudo, uns minutos depois e já os papava com ávida lambarice até me saberem a granola de frutos vermelhos (a minha preferida). Percebi que a minha vida tinha de mudar. As unhas levaram-me tudo. Só me restava a vontade de roer cada vez mais unhas e a infelicidade de não poder usar o verniz da moda a combinar com o batom de fácil aplicação da Kiko que comprei a 3,90€ nas promoções.


Mas tudo mudou. Chamo-me Marlene e já não roo unhas há 7 dias :)