Olá. Chamo-me Marlene. E
sou roedora de unhas desde os 6 anos.
Olá, Marlene!
Este vício deu cabo da
minha vida. Às vezes, isolava-me da sociedade para roer - só - mais um bocadinho, só mais aquela pelezinha que só quem rói sabe como tem de ser imediatamente arrancada ou o mundo acaba naquele mesmo instante. Não
convivia com ninguém, porque tinha sempre os dedos na boca e não se fala de
boca cheia, como é de boa educação. Acenava com a cabeça para dizer que sim e que não e a minha vida
social resumia-se a isso. Às vezes tirava os dedos da boca para beber uma
cerveja. Poucas vezes. Quando me encontrava com outros roedores, entendíamo-nos
no silêncio. Eu roía, eles roíam. Só se ouvia o esporádico “cric” da unha a
saltar. Por vezes partilhávamos lenços para estancar alguma hemorragia acidental.
Sorríamos e prosseguíamos com a tarefa pesarosa de Sísifo. E no sossego do
nosso colóquio éramos felizes, mas escravos daquele vício mundano.
Em casa, roía às
escondidas. Percebi que estava doente. Os meus pais já não me reconheciam, o
meu homem tinha as mãos mais arranjadas que as minhas, toda a gente sabia que
algo de muito mau se passava, mas ninguém me conseguia ajudar. Enclausurava-me
no quarto e roía como se não houvesse amanhã ao som de Radiohead e depois trabalhava
de luvas porque as pontas dos dedos doíam enquanto teclava. O sofrimento era
desumano! E era nessa altura que surgia a vergonha, principalmente quando tinha visitas e
me viam de luvas de lã em agosto. Mas mal aparecia outra pontinha de unha para
roer a vontade falava mais alto. Uma vez decidi pôr unhas de gel. Mas unhas
compridas não dão jeito nenhum. Quem já trabalhou no comércio sabe como é
difícil apanhar trocos com garras de metro. Espalhar Halibut no rabinho do bebé
também não é tarefa fácil para não falar de outras coisas que não se podem dizer por aqui. Além disso, andava toda arranhada e amigos e conhecidos temiam pela vida
de cada vez que eu gesticulava não lhes fosse apanhar a jugular durante um "esbracejamento" qualquer.
Dez unhas
controlavam-me. Felizmente nunca tive a agilidade necessária para chegar às dos
pés. Cheguei a uma altura da minha vida que disse: “Chega!”. Gastei o dinheiro
todo em vernizes “inibidores do hábito de roer unhas” – como os ditos erradamente se chamam – de várias marcas acessíveis de supermercado. Sabiam mal no início, confesso.
Contudo, uns minutos depois e já os papava com ávida lambarice até me saberem a
granola de frutos vermelhos (a minha preferida). Percebi que a minha vida tinha
de mudar. As unhas levaram-me tudo. Só me restava a vontade de roer cada vez mais
unhas e a infelicidade de não poder usar o verniz da moda a combinar com o batom
de fácil aplicação da Kiko que comprei a 3,90€ nas promoções.
Mas tudo mudou. Chamo-me Marlene e já
não roo unhas há 7 dias :)